terça-feira, 3 de março de 2009

Puritanismo e permissividade

Márcio C. Almeida

Historiador.

Assistindo a um capítulo de uma minissérie transmitida por uma grande emissora de televisão comecei a refletir sobre a inversão, ou melhor, sobre a mudança dos valores sociais. Podemos observar que até o início dos anos 60 tínhamos definidos os papeis de homens e mulheres, aos primeiros cabia o sustento da casa, em linguagem digamos religiosas e patriarcal, o “chefe da casa” ou “cabeça da família”, contrapartida cabia a mulher o zelo da casa, o cuidar dos filhos e do marido, tendo por objetivo manter a harmonia da casa, para consagrar esta realidade foi cunhada a expressão “ rainha do lar”, entretanto ficava claro o limite de ação da mulher, o espaço permitido para mesma nesta sociedade, isto porque o mundo ocidental estava sobre valores puritanos, portanto de orientação conservadora do ponto de vista moral, esta coerção social existente na sociedade tem origem nas idéias religiosas que se tornaram comuns na sociedade que viam toda manifestação de prazer como algo negativo, isto explica em parte o porque de coisas como sociedades secretas em sentido estrito e o carnaval numa esfera mais ampla fazerem tanto sucesso, causando fascínio nas pessoas, este se explica destas organizações e manifestações provocar o retorno nostálgico a uma espécie de “ paraíso perdido” onde tudo é permitido.

Portanto o controle do puritanismo é feito entre outras coisas pela sublimação, esta que segundo Freud “é uma força primaria da libido”, sendo a mesma desviada para outras funções não sexuais e por extensão erótica, mas que são valorizadas socialmente, entretanto o mesmo puritanismo permitia a dupla moral, pois com as funções definidas para homens e mulheres somado as formas de coerção puritanista, aonde o sexo e toda atividade prazerosa é relegada a parcos momentos, nas horas vagas, pois segundo a moral burguesa “ o ócio é a fonte de todos os males e vícios”. Logo podemos perceber que ocorre uma deserotização da sociedade de uma maneira geral e quem carrega este fardo é a mulher, esta que sofre por esta sobre a tutela do pai ou do marido, pois no principio quando a organização social era matriarcal existia um nível muito maior de liberdade, algo que gradativamente foi reduzida com a inserção da organização de orientação patriarcal, esta situação criou a dupla moral, tanto para homens quanto para mulheres, em relação ao primeiro tudo era permitido, na medida em que os homens podiam ter prazer fora do casamento, algo socialmente vedado às mulheres. Em face disto tínhamos como resultado a manutenção da ordem na sociedade, pois a dupla moral garantia a cota de prazer, ainda que meramente genital, ao homem, em relação às mulheres a dupla moral criou uma situação na qual as mesmas tiveram que usar de certas artimanhas para conseguir se movimentar nesta sociedade, mas não sofriam sanções desde que mantivessem a aparência harmônica da família, ponto fundamental da sociedade burguesa.

Esta realidade é fruto de uma educação repressora em todos os sentidos e principalmente na área sexual, entretanto a mesma era ambígua, principalmente para as mulheres, até hoje é forte o apelo ao recato feminino, em contrapartida os homens sofre um forte apelo para desenvolver sua masculinidade dentro da linha do macho conquistador e viril de outrora, entretanto esta realidade começa a mudar a partir dos anos 60 com mudanças que influenciariam o mundo até hoje, movimentos como o estudantil, feminista, negro e por ai a fora começaram a propor um novo paradigma para a sociedade ocidental, diametralmente oposto ao vigente criado pela sociedade burguesa a partir do XIX, logo provocou uma revolução nos costumes, algo que tem na sociedade atual o apogeu dos seus efeitos,entretanto qual foi a reação das esferas dominantes burguesas frente a estas manifestações, a este novo modelo de sociedade proposto, simplesmente cooptou parte das reivindicações para amenizar seus efeitos na ordem vigente.

O resultado disto foi a aparição das ditas revistas “eróticas” e nos dias atuais podemos estender para os atuais filmes, sites e reality shows da vida, tendo objetivo é ver, observar aquilo que antes era proibido , proporcionando uma falsa sensação de liberdade, esta que na verdade é mera permissividade em sua face mais mesquinha, maquiavélica, pois a sexualidade é algo para ser difuso e para além do ambiente meramente sexual, em face disto Eros é uma realidade que deve estar em todo o ambiente e em atividades não sexuais também, isto nos faz lembrar de uma afirmativa de Platão “ Eros é toda busca por bens e felicidade”, isto explica muito da loucura que é a nossa sociedade, isto é, fragmentada, genital, deserotizada, consumista, desequilibrada e etc, tudo porque nos dão migalhas, somos cães, estamos numa situação suplicante aonde um pouco de prazer que nos dão é visto como um ato de caridade, tal qual um cão que estando a dias como fome recebe um alimento de alguém, em face disto quando nos concedem um pouco de prazer, parece um ato de libertação, quando na verdade é uma sutil, sofisticada de repressão.

Bom, podemos concluir, portanto que a superação do puritanismo não significou maior liberdade, mas criou novas formas, estas sutis, de repressão, neste quadro Eros continua aprisionado na sua condição Tanatos, assim como os indivíduos estão presos, atados aos grilhões da moral repressora disfarçada de libertadora em sua face permissivista.

Um comentário:

ÉDER_GEO disse...

"Para conhecer os homens, é preciso vê-los agir. No mundo dos salões nós os ouvimos falar, eles mostram seus discursos e escondem suas ações; mas na história elas são desmascaradas e nós os julgamos a partir dos fatos". O mascaramento do ser pelo parecer, manifesto nos salões do século XVIII, chocou profundamente nosso querido filósofo Rousseau. Parceirão tenho aversão a hipocrisia reinante na vida de nossa sociedade. Somos companheiros de indignação e revolta. "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se em grilhões. O que se crê senhor dos demais não deixa de ser mais escravo do que eles..." (Rousseau)