terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Carta de uma professora

Márcio C. Almeida

Historiador.

Bom resolvi publicar carta desta como forma de divulgar o desabafo dos profissionais de educação de todo o país, pois nós somos desrespeitados em todos os aspectos, por governantes, pais e lamentavelmente alunos, por favor leiam este desabafo, o nome da docente está no final da carta, divulgada por um outro cidadão igualmente professor e indiginado.

Esta carta reflete o óbvio, que este, mais um, incompetente ministro da "Des"Educação finge não conhecer. O ministro Haddad deveria chorar e não comemorar o dito "Piso Salarial" de R$ 950,00 que na verdade é quase um teto (ou alguém terá forças para trabalhar na escola pública numa jornada superior a estas 40 horas?). E outra, gostaria de saber se ele acha digno para um professor com formação superior viver com R$ 950,00? Isso para mim, com todo respeito, não condiz com o investimento necessário (eu gastei cerca de R$ 40 mil em 4 anos numa instituição privada) para hoje se tornar um bom professor, e mais, isso significa o pagamento de menos que 3 salários mínimos para um profissional que deveria ser valorizado, pela sua função e demanda social!

A "Des"Educação brasileira avança, porém em passos lesmáticos - na contramão de nossas reais necessidades em termos de valorização do profissional e investimentos em qualidade de ensino e infraestrutura.

E pensar que Lula demitiu o senador Buarque (PDT-DF) do cargo pelo telefone, e em seu lugar colocar este "mauricinho" que mais parece uma fotocópia de "educadores" como o Gustavinho da revista Veja ou mesmo da louca que dirige hoje a secretaria de educação do estado de São Paulo. Pelo menos no senador Buarque eu sinto um real compromisso com a educação, especialmente enquanto cerne de um projeto real de futuro para o nosso país.

Por isso, reforço o que foi dito nesta carta da professora paulista, e daqui das Minas Gerais faço ecoar o desejo de FORA HADDAD!!

Abraços, sempre indignados, do colega educador Professor Tiago Menta.

Quinta-feira, 17 de Julho de 2008,
São Paulo, 16 de julho de 2008

Prezado Sr. Fernando Haddad
Ministro da Educação do Brasil

Sou professora da rede estadual de ensino, no Estado de São Paulo. Estou há três décadas no trabalho do ensino. Nunca pedi licença médica e tenho pouquíssimas faltas. Fui casada e tenho um filho, que criei sem pedir pensão para meu marido que, por razões que não vem ao caso, não podia arcar com tal despesa.
Senhor Ministro, eu poderia tratá-lo de "você", pois é bem mais novo que eu, é menino ainda. Mas, dado estar em um cargo do governo, vou usar o "Sr.", mas isso não implica em um tratamento para "colocar distância", como os antigos faziam em jornal do interior.
Assisti ao programa do Jô Soares, quando de sua entrevista. Vi que uma moça fez uma pergunta ao senhor, sobre filosofia e sociologia no ensino médio. Ela queria saber o que o senhor faria para preparar melhor esses professores. O senhor repetiu as informações que o Jô já havia passado e que está nos jornais, a respeito da lei que colocou a filosofia e a sociologia no currículo da escola média. O senhor não tinha nenhuma proposta para dizer, e não respondeu a pergunta da moça. Fiquei bem decepcionada.
O senhor também disse que falta dinheiro para a educação. Como outros que passaram pelo seu cargo, o senhor tratou logo de culpar o passado pela falta de dinheiro. Ou seja, o governo do Presidente Lula não teria responsabilidade sobre o assunto, mesmo já estando em segundo mandato. Os responsáveis seriam os antecessores. Vi sua resposta como uma fuga.
Esperava mais, mas nada apareceu na entrevista de novo além do fato de que o senhor tem tempo para fazer aulas de lutas marciais três vezes por semana. E no meio dessa informação, vi também que o senhor se vangloriou por ter conseguido aprovar o piso salarial para os professores – 950 reais para 2009. Nesse caso, penso que a questão das lutas marciais vem a calhar. Por favor, preste atenção.
A compra de supermercado que faço para minha casa, para duas pessoas, fica em 200 reais mensais. O aluguel de nosso pequeno apartamento, de apenas dois minúsculos quartos, é de 400 reais. Gasto 150 reais de transporte coletivo no mês. A Internet que temos – como necessidade de trabalho – dá um gasto de 70 reais, e a velocidade é a mais baixa do Speed. Compro livros e, em geral, gasto nisso algo em torno de 50 reais no mês. Tento economizar nisso, mas é impossível na função de professora não comprar livros. Mantenho-me atualizada em cinema, para poder conversar com os jovens para quem dou aulas, e isso leva do meu orçamento mais 40 reais no mês. Meu filho não tem ainda 18 anos, mas trabalha e ajuda em casa, e graças a isso quase conseguimos fechar o mês. Não posso contar com todo o dinheiro dele, pois ele paga escola e condução. Ele dá duro em uma firma de fotocópias, e chega esgotado para ir para a escola. Também chego tarde do serviço, pouco nos vemos. Não é uma vida fácil. Quando ficamos doentes, nosso orçamento estoura – a farmácia é um local que não podemos entrar sem sair de lá com no mínimo uns 50 reais gastos – isso é batata. Felizmente, gozamos de boa saúde.
Bem como o senhor pode ver, a soma de meus reduzidíssimos e espartanos gastos é maior do que os 950 reais do piso salarial em determinados meses, e noutros, empata. Até meados de 2009, eu estarei gastando mensalmente mais do que os 950 reais.
Mas há algo ainda mais triste. Li que os 950 reais nem são para 2009, na realidade. Pois deverão ser alcançados "gradativamente", num prazo maior, que poderá chegar até a mais que 2010. Isso é tudo? Não! Há algo mais perverso nessa conversa: as estatísticas governamentais (e só elas) dizem que a maioria dos professores ganha mais do que o piso, e que por isso o senhor está "rindo à toa" ao aprovar o piso, pois considera "muito bom" para os professores. Senhor Ministro, há erro nisso. Os professores vão ganhar por 40 horas os 950 reais, e isso não pode ser comemorado, pois a profissão continua sendo desprestigiada com tal salário. Pois em vez do senhor ficar preocupado em comparar o nosso salário com o de outras profissões com igual anos de estudo, o senhor faz comparações regionais que não levam em conta também os gastos de cada um em cada região. Não é verdade que quem está em uma região mais pobre e ganha menos tem um custo de vida menor do que quem está em São Paulo. Cada local tem especificidades, e no geral, a verdade é que com esse piso a profissão de professor não melhora em nada, pois continua sendo uma profissão que, se a abraçamos inteiramente, não nos dá sustento.
Ora, mas se a profissão de professor é para ser "um bico", como podemos ter outro trabalho se a jornada por 950 reais é de 40 horas? Não posso vir trabalhar em três períodos, pois o "terceiro turno" eu tenho de fazer no serviço de casa, além de ter de corrigir provas, preparar aulas, estudar, cuidar do meu filho etc.
Além disso, a comparação do senhor está errada, por outra razão: quando eu era uma estudante de colégio, meus professores viviam com um salário proporcionalmente maior do que o que tenho hoje, e tinham melhores condições de trabalho. Estudei mais que eles, para ganhar menos. O senhor é mocinho, e tudo indica que veio de família rica. Não sei se entende o que é o Brasil e o que foi o Brasil.
Bem, chego então na questão das lutas marciais. Vi que o senhor tem uma barriga. Ainda moço, mas já tem uma barriga. As aulas de luta marcial que faz não estão ajudando, não é? Os ricos sempre comem mais do que podem tirar com a ginástica. Então, minha sugestão, com o devido respeito, é a seguinte: tente fazer a minha vida por apenas um mês, pegando ônibus e enfrentando classes de adolescentes, lecionando seriamente. Volte para a casa e faça a janta. Limpe a casa uma vez na semana. Em um mês, eu garanto, verá que as aulas de luta marcial são ineficientes para tirar a barriga, e que o que eu faço, sim, dará ao senhor um corpo sem malhado. Não sei se dá saúde, mas cansaço físico e mental insuportável, isso dá.
Não estou reclamando, minha carta é apenas para mostrar que e o que eu faço talvez até dê mais saúde do que outras profissões. E o senhor poderia participar desse programa, nem que fosse por um pequeno período experimental. É sério, sem demagogia, o senhor deveria experimentar, por um mês, tentar viver com 950 reais dando aula aqui no Estado de São Paulo. Aula no Ensino Médio, em escola pública. Tenho certeza que após tal experiência, o senhor iria se tornar um Ministro da Educação melhor.
Agradeço demais por ter lido minha cartinha.

Sua admiradora,
Ana Luísa Costa Matos, professora de filosofia da Rede Estadual