terça-feira, 31 de março de 2009

A dita ditadura branda

Márcio C. Almeida
Historiador.

A polemica criada a partir de um neologismo num texto editorial de um jornal de grande circulação gerou mais um debate sobre a ditadura.

O primeiro ponto a ser observado é que o nefando período da história brasileira mantém suas feridas mais abertas do que nunca, temos em face disto uma luta entre aqueles que tentam amenizar os efeitos do período ditatorial, enquanto que outros procuram revelar fatos que por muito tempo foram ocultados, podemos observar a luta no congresso para embargar a autorização para o acesso aos arquivos da ditadura. Outro aspecto desta luta ocorre na mídia, pois a mesma sempre procurou ocultar diversos fatos ocorridos naquele período, ainda que pontualmente faça “matérias” sobre o assunto dando impressão de busca pela verdade, mas a mesma é superficial, haja vista que os grandes conglomerados midiáticos foram beneficiados neste período, ainda que não admitam publicamente. O segundo ponto repousa no aspecto quantitativo que o respectivo editorial usa para justificar o polêmico neologismo, o mesmo argumenta que o regime ocorrido no Brasil foi muito mais ameno do que nos países vizinhos, ou seja, aqui aconteceu uma “ditabranda” porque houve menos mortos, logo menos violência, em face disto respectivo texto deixa a entender que a ditadura civil – militar brasileira não foi este “ leviatã”,que segundo o respectivo editorial é pintado por historiadores, sociólogos e pesquisadores em geral. Em primeiro lugar não é pela quantidade de pessoas que morreram, mas sim pelo fato de ter havido mortes neste regime que o mesmo deve ser condenado, segundo se houve tão poucas mortes o que explica o temor em relação à abertura dos arquivos? Porque os veículos de comunicação da grande mídia não pressionam para tal coisa, como dizia o célebre Brizola “é necessário que as pessoas abram suas mochilas”, esta frase foi dita pelo mesmo num debate durante as eleições de 1989, não só os políticos, mas muitos grupos empresariais e a grande mídia deveriam abrir as suas, entretanto correm o risco do passado os levarem a condenação pública. Portanto a justificativa infeliz simbolizada no nefasto neologismo tinha por objetivo tentar abrandar a situação para os militares, teve efeito contrário, pois ocorreu uma onda coletiva de repúdio contra o respectivo jornal com destaque para os intelectuais Fábio Konder e Maria Benevides, ambos da USP. A indignação destes dois pensadores e de milhares de pessoas expressa os sentimentos de todos aqueles que lutaram - e ainda combatem o bom combate – contra o regime, dos que pagaram com a vida, das famílias que não puderam enterrar e prantear seus mortos.

Lamentavelmente indivíduos como estes que escreveram o nefando editorial possui representantes no congresso nacional, são os mesmos que concede habeas corpus para banqueiros corruptos, abafam desvios de verbas daqueles que representam seus interesses, criminalizam comunidades nas áreas periféricas do país, em face disto o respectivo editorial reflete a forma como as elites do país observam o restante da sociedade, isto é, de forma prepotente, com ar de superioridade, achando – se acima do bem e do mal, logo podemos afirmar que a ditadura foi tudo assassina, violenta, voltada para as elites, menos branda como queria fazer acreditar o respectivo editorial, um absurdo! E ainda tem quem acredita.

terça-feira, 3 de março de 2009

Puritanismo e permissividade

Márcio C. Almeida

Historiador.

Assistindo a um capítulo de uma minissérie transmitida por uma grande emissora de televisão comecei a refletir sobre a inversão, ou melhor, sobre a mudança dos valores sociais. Podemos observar que até o início dos anos 60 tínhamos definidos os papeis de homens e mulheres, aos primeiros cabia o sustento da casa, em linguagem digamos religiosas e patriarcal, o “chefe da casa” ou “cabeça da família”, contrapartida cabia a mulher o zelo da casa, o cuidar dos filhos e do marido, tendo por objetivo manter a harmonia da casa, para consagrar esta realidade foi cunhada a expressão “ rainha do lar”, entretanto ficava claro o limite de ação da mulher, o espaço permitido para mesma nesta sociedade, isto porque o mundo ocidental estava sobre valores puritanos, portanto de orientação conservadora do ponto de vista moral, esta coerção social existente na sociedade tem origem nas idéias religiosas que se tornaram comuns na sociedade que viam toda manifestação de prazer como algo negativo, isto explica em parte o porque de coisas como sociedades secretas em sentido estrito e o carnaval numa esfera mais ampla fazerem tanto sucesso, causando fascínio nas pessoas, este se explica destas organizações e manifestações provocar o retorno nostálgico a uma espécie de “ paraíso perdido” onde tudo é permitido.

Portanto o controle do puritanismo é feito entre outras coisas pela sublimação, esta que segundo Freud “é uma força primaria da libido”, sendo a mesma desviada para outras funções não sexuais e por extensão erótica, mas que são valorizadas socialmente, entretanto o mesmo puritanismo permitia a dupla moral, pois com as funções definidas para homens e mulheres somado as formas de coerção puritanista, aonde o sexo e toda atividade prazerosa é relegada a parcos momentos, nas horas vagas, pois segundo a moral burguesa “ o ócio é a fonte de todos os males e vícios”. Logo podemos perceber que ocorre uma deserotização da sociedade de uma maneira geral e quem carrega este fardo é a mulher, esta que sofre por esta sobre a tutela do pai ou do marido, pois no principio quando a organização social era matriarcal existia um nível muito maior de liberdade, algo que gradativamente foi reduzida com a inserção da organização de orientação patriarcal, esta situação criou a dupla moral, tanto para homens quanto para mulheres, em relação ao primeiro tudo era permitido, na medida em que os homens podiam ter prazer fora do casamento, algo socialmente vedado às mulheres. Em face disto tínhamos como resultado a manutenção da ordem na sociedade, pois a dupla moral garantia a cota de prazer, ainda que meramente genital, ao homem, em relação às mulheres a dupla moral criou uma situação na qual as mesmas tiveram que usar de certas artimanhas para conseguir se movimentar nesta sociedade, mas não sofriam sanções desde que mantivessem a aparência harmônica da família, ponto fundamental da sociedade burguesa.

Esta realidade é fruto de uma educação repressora em todos os sentidos e principalmente na área sexual, entretanto a mesma era ambígua, principalmente para as mulheres, até hoje é forte o apelo ao recato feminino, em contrapartida os homens sofre um forte apelo para desenvolver sua masculinidade dentro da linha do macho conquistador e viril de outrora, entretanto esta realidade começa a mudar a partir dos anos 60 com mudanças que influenciariam o mundo até hoje, movimentos como o estudantil, feminista, negro e por ai a fora começaram a propor um novo paradigma para a sociedade ocidental, diametralmente oposto ao vigente criado pela sociedade burguesa a partir do XIX, logo provocou uma revolução nos costumes, algo que tem na sociedade atual o apogeu dos seus efeitos,entretanto qual foi a reação das esferas dominantes burguesas frente a estas manifestações, a este novo modelo de sociedade proposto, simplesmente cooptou parte das reivindicações para amenizar seus efeitos na ordem vigente.

O resultado disto foi a aparição das ditas revistas “eróticas” e nos dias atuais podemos estender para os atuais filmes, sites e reality shows da vida, tendo objetivo é ver, observar aquilo que antes era proibido , proporcionando uma falsa sensação de liberdade, esta que na verdade é mera permissividade em sua face mais mesquinha, maquiavélica, pois a sexualidade é algo para ser difuso e para além do ambiente meramente sexual, em face disto Eros é uma realidade que deve estar em todo o ambiente e em atividades não sexuais também, isto nos faz lembrar de uma afirmativa de Platão “ Eros é toda busca por bens e felicidade”, isto explica muito da loucura que é a nossa sociedade, isto é, fragmentada, genital, deserotizada, consumista, desequilibrada e etc, tudo porque nos dão migalhas, somos cães, estamos numa situação suplicante aonde um pouco de prazer que nos dão é visto como um ato de caridade, tal qual um cão que estando a dias como fome recebe um alimento de alguém, em face disto quando nos concedem um pouco de prazer, parece um ato de libertação, quando na verdade é uma sutil, sofisticada de repressão.

Bom, podemos concluir, portanto que a superação do puritanismo não significou maior liberdade, mas criou novas formas, estas sutis, de repressão, neste quadro Eros continua aprisionado na sua condição Tanatos, assim como os indivíduos estão presos, atados aos grilhões da moral repressora disfarçada de libertadora em sua face permissivista.