sexta-feira, 12 de junho de 2009

A loucura e o consumo

Márcio C. Almeida
Historiador
Certo dia caminhando dentro de um destes templos do consumo atual comecei a observar o comportamento das pessoas e a suposta felicidade que as mesmas aparentavam, tal situação me fez lembrar de uma agradável leitura do clássico elogio da loucura do célebre filósofo e humanista holandês Erasmo de Rotterdam, este que fala justamente da loucura das pessoas de forma alegórica, a impressão que tive foi que o mesmo havia acabado de sair de um destes shoppings centers da vida e escreveu o livro tamanha a atualidade do tema, pois a nossa sociedade que tem seus valores e sua ética baseada no consumo, vive um verdadeiro estado mimético de loucura, devido ao fato de querer consumir a todo custo, esta realidade foi provocada pela ética do consumo, baseada no individualismo desenvolvido pelo sistema capitalista, isto para provocar no individuo uma constante necessidade de consumo, pois nos séculos anteriores a admiração repousava naqueles que tinham um saber, que detinha, portanto uma habilidade que catalisava para si a admiração de toda a comunidade, isto acontecia a com os anciãos, filósofos, artistas, chefe guerreiros,intelectuais, professores e etc. Geralmente este eram vistos como nobres e em face disto tinham privilégios em relação as demais categorias, com o advento do capitalismo as coisas mudaram, entretanto para pior, pois se antes os privilégios eram para os nobres com a chegada da burguesia ao poder a mesma torna –se elite dominante com ares aristocráticos e passam a impor a sua ética, ou seja, o consumo exacerbado devido ao fato do capitalismo necessitar do mesmo ilimitadamente para se realizar enquanto sistema, caso contrario a tendência seria o fim do mesmo, daí a necessidade dos capitalistas dominarem todas as esferas da sociedade para que o seu ethos prevaleça e isso nos estamos vivendo nos nossos dias.
Atualmente as pessoas se realizam enquanto consumidoras algo que é extremamente grave, pois estão reduzindo os serem humanos a meros consumidores, podemos observar que o único direito que ouvimos falar é o relacionado aos consumidores e isto de maneira muito superficial, rasteira, portanto temos que atentar para tal realidade pelo fato dos seres humanos estarem se tornando verdadeiros seres amorfos, meros dígitos nas caixas registradoras, quando na verdade somos muito mais, em face disto vivemos numa sociedade doente, fragmentada, sublimada pela ideologia do consumo, esta que incute nas pessoas que só consumindo poderemos ser felizes e nos realizar enquanto seres humanos, entretanto tal lógica tem por objetivo evitar a contestação do status quo estabelecido, ou seja, o sistema capitalista que mediante a globalização, esta de modelo negativo, leva o seu fatalismo falacioso para todos os cantos do planeta, provocando a homogenização do mundo, neste sentido ocorrer uma alienação do individuo no tocante ao direito de escolha, isto é, na lógica capitalista não cabe a tentativa de um outro modelo de sociedade devido ao fato de supostamente não haver possibilidade de desenvolvimento fora da sociedade de consumo, em face disto temos como resultado da adoção desta lógica, os condomínios fechados, segurança privada, violência e etc, tudo ocasionado pelo fatalismo do capital, vivemos uma verdadeira ditadura neoliberal e aqueles que ousam colocar – se contra são radicalmente perseguidos, qualquer manifestação de heterogeneidade numa sociedade homogenia é sumariamente aniquilada, somos vigiados constantemente.
Em face disto quando alguém faz colocações do tipo: “não gosto de shopping center” ou “não gosto de determinado lugar” soa estranho para a maioria das pessoas, pois a mesmas realizam – se apenas quando estão na condição de consumidores, portanto as mesmas querem ter para ser quando na verdade a lógica é a inversa, mas para isso teria que emergir uma nova antropologia, um novo ethos na humanidade para que pudéssemos criar uma nova sociedade, esta baseada na justiça, na igualdade, na fraternidade tendo por objetivo proporcionar o bem comum a todos de acordo com capacidade de cada um, mas tal realidade repousa no campo da utopia e a mesma neste modelo de sociedade vigente foi morta, pois a lógica fatalista deste sistema nos impede de sonhar e a utopia tem como ponto inicial o sonho, entretanto este também foi eliminado dentro do neoliberalismo, vivemos o tempo do pragmatismo aonde tudo é estritamente real, logo podemos afirmar que o amor acabou neste tipo de sociedade, pois somente aqueles que amam podem sonhar e logo acreditar que um outro mundo é possível. Mas presenciamos uma sociedade aonde tudo é possível desde que você possa pagar, em face disto compramos a beleza, o status, a amizade e etc, isto claro dentro da ordem de valores que a sociedade neoliberal impõem como padrão, caso contrario está excluído da mesma, logo o seu pertencimento é condicionado a sua capacidade de consumo, portanto temos configurada a cidadania em pequenos estratos, lembrando o voto censitário aonde de acordo com a sua renda você poderia votar e/ou concorrer a um cargo legislativo, hoje a sua cidadania é medida de acordo com a sua conta bancária, poder de consumo e etc. Logo temos uma sociedade de pessoas frívolas, preocupadas em comprar um celular com TV, um novo carro e assim por diante, nos sentimos felizes por comermos em praças de alimentação que mais parecem os chiqueiros de antigamente, pois atualmente os porcos se recusam a alimentar – se em tais condições, mas não contestamos porque não estamos saciando a fome e sim o status social que tal atitude nos confere, sofremos portanto aquilo que Marx classificou como fetichismo da mercadoria, o mesmo ocorre quando compramos um produto não por sua necessidade, mas pelo valor simbólico que o respectivo objeto adquirido possui, ou seja, pelo status social que vem agregado ao mesmo, temos como exemplo comprar um celular pela necessidade da comunicação e o mesmo para lhe conferir status social, pois quando caímos no segundo item estamos sofrendo o fetichismo devido ao fato de comprar o produto pelo status conferido e não pela necessidade, prevalece o valor simbólico e não o de uso.
O aspecto grave desta situação é que cria – se um mimetismo pelo fato da ética atual está baseada no ter, logo aqueles que não tem querem uma possibilidade para consumir e tendo poderem ser, entretanto a desigualdade social, característica das sociedades capitalistas permitem o consumo apenas de uma forma, através da inclusão exploradora, isto é, possibilita aquilo que Malthus classificava como migalhas o que no nosso caso são as mesmas referentes a riqueza produzida pelo capital, isto realiza –se no momento em que os indivíduos que nada tiveram puderam de uma hora para outra consumir coisas nunca antes imaginadas, entretanto o resultado social disto estamos vendo no dia a dia que é o colapso total da sociedade aonde vale qualquer coisa pelo dinheiro, tudo porque muitos querem ter o que poucos possuem em plenitude e boa parte tem acesso em migalhas.
Logo para mudarmos esta sociedade que encontra – se no CTI do humanismo teremos que construir um novo ethos para mesma, um modelo que respeite os aspectos humanísticos, ecológicos e filosóficos dos serem humanos, caso contrario continuaremos assistindo a degradação e a exploração de Gaia e de seus filhos e particularmente dos homo sapiens, estes que dotados inteligência não atentam para o cataclisma que o desumano e antiecológico sistema capitalista está conduzindo a humanidade, tudo isto impulsionado pelo consumo que alimenta a loucura do enriquecimento ilimitado dos donos do capital.